sexta-feira, 3 de julho de 2009

Dia Mundial da Criança em África

O Dia Mundial da Criança deverá ser sempre um dia muito especial em qualquer cantinho do mundo onde haja crianças.
A Guiné-Bissau não é excepção e, no passado dia 1 de Junho de 2009 eu tive a oportunidade de sentir a alegria das crianças guineenses neste dia que é tão esperado durante todo o ano.
Escolhemos a Escola do Ensino Básico Unificado Justado Vieira para realizar uma gincana com os alunos. Ao chegar, verificámos que não havia aulas pois todos estavam nos preparativos para a festa. Este conceito de festa, convém clarificar, é um pouco diferente daquilo que se generalizou em Portugal neste dia em qualquer escola do Ensino Básico.
Momentos depois de chegarmos, a notícia da presença das professoras brancas espalhou-se e os alunos e professores começaram a juntar-se, ajudando na organização do espaço e dos desafios. As professoras guineenses prontificaram-se logo a ajudar e ficaram responsáveis pelos diferentes jogos. O percurso começava com saltos a pés juntos dentro de pneus, seguido da corrida de sacos e corrida de obstáculos entre cadeiras. O último desafio era acertar com uma bola dentro de uma caixa. Todos os participantes receberam um balão, um lápis e um caderno da Escola Limpa.
Os saltos nos pneus foram divertidíssimos, principalmente pela diversidade de técnicas que os alunos adoptaram para ultrapassar este desafio.
A corrida de sacos foi o maior sucesso da manhã! Todos os alunos adoraram saltitar com os pés dentro dos sacos.
A corrida de obstáculos foi a prova mais simples, para poderem recuperar o fôlego da corrida de sacos.
Havia muitos alunos com uma óptima pontaria, outros nem tanto, mas todos tentaram e divertiram-se. De cada vez que uma bola acertava dentro da caixa, havia uma claque que gritava de alegria.
A manhã ia passando, mas a fila mantinha-se longa apesar do calor e do sol... Não é todos os dias que duas brancas malucas trazem jogos divertidos e oferecem prémios a todos sem excepção!
Estas duas gémeas tinham roupas iguais, o que na Europa pode ser bastante comum, mas aqui foi a primeira vez que vi. Roupinhas novas, como muitos outras cianças, pois o dia da criança é dia de grande festa! Ainda não percebi bem, mas paece que há várias etnias em que os gémeos são separados à nascença, pois são vistos como algo negativo. Razões culturais, animismo, crenças religiosas? Ainda não sei, mas ando em investigações.
Entre jogos e brincadeiras, alguns alunos iam regressando às suas salas para prepararem a festa anteriormente planeada.
Os alunos das salas em kirintim foram-me chamar porque também queriam tirar fotos dentro das suas salas. A foto de cima é da primeira sala em kirintim da foto de baixo.
Depois da participação de todos os alunos, algumas repetições e de te finalmente terminado a fila, chegou a vez dos professores participarem na gincana e, subitamente, todos os alunos sairam das suas salas a correr para verem os professores numa situação tão diferente do habitual, pois geralmente adoptam uma postura demasiado formal dentro da sala de aula.
E a verdade é que foram os participantes mais entusiastas e mais aplaudidos. No final receberam o seu prémio e ficaram felicíssimos a brincar com os balões. Na foto de cima está um dos meus formandos, o professor Sadibo, que assiste sempre à minha formação "capacitação pedagógica de EVT".
O grupo de professores posou para a foto e agradeceram a iniciativa, tal como os alunos. Estas fotos de molhos de miúdos são sempre muito difíceis mas divertidíssimas! No final da actividade é sempre necessário arrumar o material e há sempre ajudantes que se prontificam de imediato!
Antes de irmos embora fomos chamadas a ir a uma das salas da 1ª classe, onde a tão aguardada festa estava a começar. E a festa do dia da criança é, na verdade, um convívio dentro da sala em que cada um traz o seu prato e copo e todos contribuem com dinheiro para comprar arroz e "mafé", o acompanhamento do arroz e que geralmente é batata, caldo, carne ou peixe. Neste dia também há sumos para todos. Por vezes também pode haver previamente distribuição de papelinhos com o que cada um tem de trazer. E esta é a festa. Se alguém trouxer um rádio e houver electricidade pública, há música para dançar mas, se não houver, batem palmas a marcar o ritmo. Cada aluno trouxe o seu prato e copo e alguns trouxeram também colher.
Todos têm um sorriso enorme de dia de festa, que complementa a simplicidade de um momento genuíno e contagiantemente feliz.
É dia de alegria e não seria festa sem partilha. Assim, a professora e os alunos insistiram para que comêssemos com eles, ou pelo menos bebêssemos um sumo. O receio da água não fervida fez-nos recusar educadamente a oferta, apesar da ternura com que nos quiseram integrar na sua refeição.
À saída da escola passaram duas raparigas novinhas que andavam a vender mangas e que, neste dia especial, mantêm as suas funções. Será que estudam? Será que se matricularam e frequentaram algumas aulas? Ou passam os dias a circular pela escola e pelas ruas da cidade a vender fruta?
No dia 2 de Julho estas salas de kirintim que se vêem na foto desabaram durante a tempestade durante a noite. Já há uns meses tinha desabado outro pavilhão de kirintim desta mesma escola... Não há dinheiro para reconstruir e, no início do próximo ano lectivo, haverá menos salas de aula para os alunos desta escola.
Durante a tarde fui para a Oficina em Língua Portuguesa da escola Salvador Allende tomar conta da feira do livro do ensino básico. Não houve muitos visitantes e mesmo os que apareceam queixaram-se de não terem dinheiro. As aulas nos liceus estiveram paradas durante muitas semanas devido à falta de pagamento dos salários em atraso, que já são muitos. Algumas crianças aproveitaram a tarde para espalhar um pouco de ritmo pela escola. E estes, será que estudam? Onde? Sobraram muitos balões da EDP e, ao sair da feira do livro, decidi passar por várias salas da Salvador Allende para os distribuir. A festa repete-se nesta escola, em moldes semelhantes à Justado Vieira. Mas nesta sala onde eu entrei o cenário era outro. As mesas não estavam encostadas às paredes e os alunos não estavam sentados nas mesas com o seu prato e copo à frente. Não, aqui a festa foi diferente mas igualmente animada.
Havia na sala três grandes bacias cheias de arroz e, por cima, vários pedaços de frango. À volta de cada bacia estava um grupo de alunos que comiam satisfeitíssimos. Mal me viram, ficaram todos contentes a olhar para os balões que eu lhes levava. Nem todos os alunos tinham colher, por isso alguns amassavam o arroz (ficava com forma de pastel de bacalhau) e comiam-no com as mãos. É assim que muitos guineenses comem nas suas casas, numa bacia comum em que nunca falta o arroz que é a base da alimentação da Guiné e, atrevo-me a dizer, a única forma de alimentação em alguns casos. Mas neste dia não, neste dia havia frango com um aspecto delicioso!
O meu olhar é sempre um olhar de fora, mas ainda assim era demasiado evidente a separação destes dois alunos que, na mesma sala, comiam numa mesa. Há dois pratos e um deles tem uma colher, enquanto que o outro tem faca e garfo e até um copo de champanhe. Não sei o que me tocou mais... Os miúdos a comerem nas bacias, ou estes dois completamente postos de parte e com um ar de superioridade que evidenciou algo que está bem presente aqui.
A professora tinha uma espera (vestido tradicional) giríssima de "chapa chapa" vestida e o tradicional pano na cabeça, que me parece sempre uma escultura dinâmica fantástica. Enquanto os alunos comiam, a professora amamentava a sua filha de poucos meses. Os alunos estavam radiantes com as fotos e com a festa, numa alegria que mostra o quão importante é haver um dia Mundial da Criança. Entretanto surgiu de novo o convite para me juntar à refeição e os alunos insistiram bastante, mas mais uma vez eu escapei-me sorrateiramente dizendo que preferia que fossem os alunos a aproveitar a festa. Lá consegui escapar do arroz e do saquinho de sumo e segui para a próxima sala, num misto de emoções indescritível.
Na sala seguinte encontrei cerca de 80 miúdos a comer deliciados, pois tinham juntado duas turmas na mesma sala. O arroz, batata e frango já tinham sido distribuídos e eu comecei a distribuir os balões, mas cedo percebi que não seriam suficientes para todos... Perante a desilusão geral, foram os próprios alunos que resolveram de imediato o problema dizendo que eu devia dar só aos mais novos. Et voilá, assunto resolvido sem alarido, apesar de muitos gritarem e acenarem a dize que também eram pequenos. Para os compensar, todas as mesas tiveram direito a foto, o que os deixou igualmente felizes, embora provavelmente nunca irão vê-las... E, como é dia de festa, cada um levou a sua melhor roupa, inclusivamente um fato com gravata que o aluno da foto orgulhosamente se levantou para eu fotografar, mas que ficou em contra-luz...
A alegria reinava na sala e havia até um rádio gigante que esperava a eventual chegada da electricidade pública, emboa todos saibam que as probabilidades são mínimas. Mas todos queriam dançar e cantar! Não posso deixar de referir o quanto me custa entrar nestas salas e peceber que, tirando algumas palavras que são semelhantes em crioulo, ninguém percebe nadinha daquilo que eu digo em português. As aulas são dadas em crioulo e a língua portuguesa acaba por ser pouco trabalhada na maioria das escolas e, consequentemente, os alunos dos liceus, do ensino superior e a maioria dos adultos e até muitos pofessores têm imensas dificuldades na Língua Portuguesa, que é a língua oficial do país mas que está muito pouco presente na vida dos guineenses. Esta sala estava bem munida de comida e, quando me apercebi, já estavam quase a servir-me a comida, que eu mais uma vez tive de recusar. E claro, o professor e os alunos disseram que eu tinha de beber o sumo de cabaceira e eu ainda tentei utilizar o argumento de preferir que ficasse para os alunos, mas mostraram-me logo os dois baldões de sumo, um dos quais aparece na foto e aí... tive mesmo de recusar a oferta. Da última vez que me aventurei e bebi dois goles de água da torneira, passei uma semana em casa... É difícil explicar que o nosso organismo não aguenta certas comidas e bebidas não fervidas, apesar de me ter custado recusar. Mas aqui não podemos descurar a saúde e higiene alimentar e, por isso, agradeci a ternura da oferta, desejei-lhes um excelente dia da criança e regressei a casa com o coração cheio de uma felicidade tansbordante que veio da simplicidade com que a vida pode ser vivida.
É assim a festa guineense. Desde que haja arroz e boa disposição, a animação é garantida! E há sempre algo para partilhar!

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