sábado, 30 de maio de 2009

Espalhar a arte

Na Oficina Artística na Salvador Allende temos desenvolvido diversas actividades que envolvem a manipulação de materiais e recursos aos quais os alunos guineenses geralmente não têm acesso. Aproveitamos para reutilizar algum material e, assim, criamos algo novo e divertido.
A adesão é sempre difícil de controlar, como neste caso em que todos queriam escrever uma frase sobre a limpeza e higiene na escola. A sensibilização dos alunos e professores é o primeiro grande passo para a mudança de atitude. As tiras de cartolina foram oferecidas pela Nova Gráfica de Bissau e já serviram para muitas actividades diferentes.
Os alunos da EBU Salvador Allende escreveram as frases e colaram-nas nas paredes exteriores das salas, para espalhar a mensagem da importância da limpeza a todos os colegas. O mesmo aconteceu na EBU Justado Vieira, em que lancei o mesmo desafio aos professores da formação de Educação Visual.
Em cada semana há uma nova actividade e um novo grupo de alunos e, desta vez, o desafio era fazer pintura soprada com guaches e palhinhas.
Os alunos divertiram-se e as pinturas ficaram giríssimas, mas não repetirei a actividade. A maioria dos alunos ficou com tonturas e só no final é que eu as associei à possível falta do matabitchu, o pequeno-almoço.
Outra das actividades realizadas envolveu de novo os guaches e também lápis de cera.
Os alunos coloriram os cartões com lápis de cera e cobriram tudo com guache de diversas cores.
Após o guache secar, os alunos fizeram desenhos ao raspar a camada de guache com clips e anilhas de latas de refrigerante.
A actividade foi bastante divertida e, enquanto o guache secava, houve tempo para sessões fotográficas.
O Adul, um dos colaboradores da Oficina em Língua Portuguesa, posa para a foto a trabalhar no computador.
O colaborador Djibril ajuda os seus alunos da formação de informática - as formações mais procuradas em todas as oficinas, pois a maioria dos guineenses tem acesso a estas tecnologias e à internet apenas nas oficinas em Língua Portuguesa.
O Djibril também posa para a foto.
O Gilberto e o seu irmão.
O Gilberto é o colaborador mais novo das oficinas, é um grande artista e junta-se sempre às actividades que envolvem desenhos e pinturas.
Não poderia faltar a foto de grupo, com o Fábio (aluno da escola de surdos que participa em todas as nossas actividades), o Gilberto, o Adul, eu e o Djibril.
A sala da televisão da oficina está sempre cheia de alunos que folheiam livros de histórias infantis e vêem filmes de animação ou os programas que dão na TGB, ou na RTP África.
A tinta que sobrou foi aproveitada para algumas pinturas em folhas de papel cavalinho já amareladas que eu encontrei na cave do Bairro da Cooperação Portuguesa.
Ainda no âmbito da campanha da Escola Limpa, os meus formandos do Animatrope têm desenvolvido as suas animações no programa informático.
Ao sair da sala de informática do Liceu Nacional Kwame Nkrumah, alguns alunos consultavam as primeiras pautas das avaliações afixadas desde o início das aulas, em Janeiro deste ano.
As notas só sairam agora e a mancha visual das pautas era vermelha, o que significa que a maioria dos alunos tiveram negativas. De qualquer forma, a maioria dos liceus continuam quase desertos e as aulas ainda não recomeçaram após o boicote quase geral nas escolas secundárias públicas de Bissau que dura desde a Páscoa.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Baixa de Bissau

Durante os cinco anos que vivi em Lisboa houve diversos locais onde me refugiei sempre que era possível. Muitas foram as horas passadas na Torre de Belém com pastéis quentinhos, no verde dos jardins da Gulbenkian, no ar urbano do Parque das Nações e, mais frequentemente, na Baixa de Lisboa. Ir à Baixa requer sempre um belo passeio desde os Restauradores ou Rossio até ao Largo Camões, passando sempre pelo Terreiro do Paço e Armazéns do Chiado. Muitas foram as vezes que me sentei e desenhei as pessoas e os edifícios, ou simplesmente vagueei pelas ruas observando a vida imparável à minha volta. Ir à Baixa era fugir da rotina e apreciar simplesmente a magia do paralelismo das ruas que contrasta com a diversidade cultural que nos abraça.
O paralelismo que faço entre a Baixa de Lisboa e a Baixa de Bissau não tem a ver com as ruas, nem com a agitação cosmopolita, nem com as cores, nem com os aromas, nem com os edifícios. O que aproxima os epicentros das duas capitais está, na minha perspectiva, relacionado com as pessoas e com a forma como se adaptam à vida que as rodeia. Alguns dos produtos que vejo aqui à venda fazem-me lembrar a estreita rua que liga o Martim Moniz ao Rossio e onde também há banquinhas que vendem mandioca e alguns outros produtos que presumo serem exportados de África para a Europa.
Já partilhei fotos de Bissau aqui, aqui e aqui. Desta vez a viagem é até ao centro da cidade de Bissau, onde os odores da fruta, vegetais e de inúmeros outros produtos que são vendidos se mistura com o pó vermelho que anda pelo ar enquanto a chuva não se instala.
A Praça Che Guevara reúne a esplanada da Baiana, o Caliste, o Casino, a Policlínica e o Centro Cultural Francês. Seguindo pela rua principal, há o Banco da União Africana e, mais à frente, o epicentro comercial.
Lá ao fundo, no ponto de fuga da imagem, é um dos portos de Bissau onde atracam barcos e canoas vindos dos Bijagós e cidades da costa guineense. Tal como em muitos outros pontos da cidade, as pessoas ficam sentadas com os seus produtos à frente, em cima de bancos, caixas, cestos ou simplesmente no chão. Para além dos vendedores, há sempre os ajudantes e os que não fazem nada para além de observarem o passar dos dias.
Haja dinheiro e paciência para regatear e tudo se pode comprar. Para além das bancas, há também os vendedores que andam pelas ruas da cidade a vender vassouras, cestos, banana, mancarra, manga, castanha de caju, cartões de saldo da MTN ou Orange.Ainda há sempre a possibilidade de câmbio, chá, warga, café, engraxar os sapatos, amolar lâminas, lavar o carro, entre inúmeros serviços que se podem encontrar. Na foto, o vendedor tenta regatear o veludo, uma espécie de semente vermelha que vem de vagens e até agora só provei em sumo de veludo, farroba e cabaceira.

Houve outrora um mercado central que ardeu e temporaria(permanente)mente as bancadas deslocaram-se para os passeios da rua principal. Nessas bancadas pode-se comprar um pouco de tudo, desde a fruta e legumes, peixe, roupa, calçado, artigos de papelaria, tabaco, ferramentas, entre muitos outros artigos.

As cores dos produtos alimentares são o que mais me fascina. Sempre que por aqui passo, parece que estou numa galeria ao ar livre a olhar para uma tela de um qualquer pintor que mistura as cores quentes em texturas e padrões magníficos. Fico deslumbrada com as cores e também com a forma como cada vendedeira dispõe os seus produtos em montinhos muito alinhados e certinhos. O centro da cidade é um óptimo complemento ao mercado do Bandim, para além de ter supermercados com produtos europeus de marcas bem conhecidas a preços muito inflaccionados e nem sempre abundantes, pois dependem da chegada de contentores e do tempo para os desalfandegar.
Basta ir a passar na rua ou pensar em aproximar-me de uma vendedeira e começa o frenezim terrível dos berros "branco", "amiga", "barato", "qui qui bu misti?", entre muitas outras frases que, de tão decoradas que estão, saem de todas as bocas quando um branco se aproxima. Segue-se uma mostra de todos os produtos que são sempre frescos e acabam por vir para casa em grande quantidade pois, depois de muito regatear, em vez de conseguir baixar o preço, trago um saco cheio por pouco menos que o preço inicial.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A vida foi passando

A vida foi passando...
Faz hoje 8 meses que se abriram as portas do avião que me trouxe até aqui e hoje, ao abrir a porta de casa, sinto o mesmo ar húmido que senti ao colocar o nariz fora do avião. Naquele dia, tal como hoje, o calor é imenso e a cabeça está povoada de sonhos e objectivos. Alguns foram-se alterando com o passar dos dias, outros esfumaram-se no calor e outros foram surgindo e enraizaram-se na terra vermelha.
Sou uma professora na Guiné Bissau, mas não dou aulas. Na minha componente lectiva dou formação a professores de EVT e aos professores das turmas piloto da 2ª classe, dinamizo actividades de oficina com as crianças da UCCLA e da Salvador Allende e faço formação do animatrope. Fora do meu horário oficial participo em tudo o que surge e que me desperta o interesse: dinamizo actividades no âmbito da campanha da Escola Limpa, adapto e implemento o teste de identificação de competências linguísticas aos alunos da 1ª classe, ajudo na organização e arrumação da cave, distribuo manuais escolares a centenas de alunos de diferentes escolas, faço reutilização de materiais, pintura facial, cartazes, desenhos, aguarelas, origami, yôga 2x por semana, djambé 2x por semana, passeio pelo interior da Guiné e pelos Bijagós, fotografo muito, passo muitas horas no photoshop a rearranjar as fotos, ajudo nas pinturas das oficinas, oiço música, vejo filmes e séries, leio, medito, entre tantas outras coisas que faço por aqui e que preenchem os meus dias.
Nestes oito meses a viver aqui já aprendi mais que em toda a minha vida pré-África. E há mais, muito mais para ver, perguntar, aprender, ensinar e partilhar. Viver em África é estar em permanente descoberta e em constantes aventuras. Mais do que aprender, aqui reaprende-se a viver.
Reaprendi a ver mais com o coração, reaprendi a confiar mais nos meus sentidos, reaprendi a prestar mais atenção aos pormenores, reaprendi a estar mais alerta para o que me rodeia, reaprendi a desprender-me de pesos inúteis, reaprendi a estar longe dos amigos de sempre e da família, reaprendi a mostrar às pessoas o quão importantes elas são para mim, reaprendi a fazer uma criança sorrir, reaprendi a espalhar a arte, reaprendi a aproveitar cada momento, reaprendi a cumprimentar as pessoas que passam por mim, reaprendi a descobrir as diferenças e semelhanças culturais, reaprendi a estar em comunhão com a natureza, reaprendi a agradecer diariamente as vivências que tenho, reaprendi a ser eu.
E o mais importante de tudo é esta aprendizagem ser um processo contínuo e aberto!
Há ainda muito caminho a trilhar nesta terra solarenga onde tudo tem uma cor especial!

domingo, 17 de maio de 2009

Telheiro da Escola EBU Salvador Allende

Na Escola do Ensino Básico Unificado Salvador Allende foi iniciada a construção de um telheiro financiado pela FNUAP (Fundo das Nações Unidas para a População) e executado pelo PASEG, na sua primeira parceria. A execução da obra passou por diversos obstáculos que quase superaram a vontade de ver a obra pronta, mas que foram sendo ultrapassados ao longo de vários meses. As primeiras actividades realizadas por nós em Setembro, enquanto o ano lectivo não arrancou, "Brincar em Português", ainda não beneficiaram do telheiro que, pouco depois, começou a ser construído mas ainda estava interdito, pelo que muitas das actividades passaram a ser realizadas em frente ou dentro da Oficina em Língua Portuguesa.
Em meados de Fevereiro de 2009 o telheiro ficou finalmente concluído e os alunos passaram a utilizá-lo para diversas brincadeiras durante os intervalos.
Actualmente o telheiro é utilizado para a sua principal função, ao abrigar as crianças do sol e da chuva durante as aulas de Educação Física.
A utilidade do telheiro vai muito mais além da Educação Física, pois tornou-se um local de realização de diversas actividades e, assim que os alunos e professores da escola perceberem as suas potencialidades, estou certa de que vai ser bastante mais dinamizado. Por enquanto, tem havido passagens de modelos, danças, jogos de roda, conversas, entre muito mais actividades que se vão por lá realizando. Sempre que posso realizar as actividades da oficina artística ao ar livre, lá vou eu aproveitar o telheiro. É claro que se juntam logo dezenas de miúdos que vão espreitar a branca.
Com a aproximação da festa de inauguração do Telheiro da Salvador Allende, os alunos das turmas piloto da 1ª e 2ª classe ensaiaram diversas músicas para as apresentaram durante a festa.
De cadernos novinhos nas mãos, vozes afinadas, caras pintadas, muito alinhadinhos e bonitinhos, os nossos alunos do projecto "Primeiro o Português" receberam os ilustres convidados a cantar o "Bom dia!".
Após o corte da fita pelo Sr. Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, seguiram-se os discursos dos representantes e responsáveis pela construção do telheiro.
A Deolinda fez as honras da casa ao liderar a apresentação da canção da 2ª classe "Todos os meninos" e, em seguida, houve a apresentação da peça de teatro "As vigarices do Senhor Lixo", do grupo de teatro escolar do Liceu Nacional.
Após a festa, os alunos continuaram a festa marcando o ritmo e mostrando a sua extrema habilidade para a dança.
Os sorrisos mostram a alegria de um dia de festa na escola, sorrisos esses que eu ajudei a espalhar ao fazer-lhes pintura facial antes da inauguração. Em pouco mais de uma hora pintei as bochechas de cerca de 100 alunos, que andaram o resto da manhã a exibir as pintas, traços e desenhos coloridos. Depois da maratona, ainda fiz pintura facial (muito hesitante e nervosinha) ao Sr. Embaixador, que posteriormente se dirigiu aos alunos de forma bastante entusiasta, incentivando-os a usufruir daquele espaço de magia e alegria.
A pintura facial nestas crianças guineenses foi mais um dos momentos que muito me marcou desde que aqui estou, não só por matar saudades de pintar sorrisos maravilhosos, mas também por ver a sua reacção à tintas e pincéis que parecem espalhar magia.