terça-feira, 3 de março de 2009

Bissau desperta...

Dizia eu há 3 meses atrás...
Bissau, 30 Novembro 2008

Faz hoje uma semana que vivi a maior aventura da minha vida. Se há situações que nos marcam e que contaremos aos nossos netos, esta experiência é com toda a certeza algo que recordarei para sempre. Estou viva, estamos todos vivos, de boa saúde, apenas apanhámos o maior susto da nossa vida.
Na madrugada de 22 para 23 de Novembro, por volta da 1h, estava eu a dormir na minha caminha do quarto 14 do 2º andar...
BUUUUUUM
Acordei com um barulho muito intenso, claro e inequívoco. Saltei da cama, agarrei o telemóvel e a lanterna, enfiei os pés nos chinelos e aí vou eu direitinha à porta. O barulho das explosões estava próximo e seguiram-se várias rajadas de tiros.
Até perto das 6h dessa madrugada, os sons de balas e rebentamentos foram constantes. Alguns dos disparos pareciam ouvir-se mais perto, outros mais longe e, dentro da minha cabeça, os ruídos entoavam como se estivessem em câmara lenta. Quando os barulhos se intensificavam, fazia-se um silêncio sepulcral à minha volta. Eu bem que dizia que Bissau parecia um cenário de filme, só não imaginava que fosse um filme de guerra...
Quem me manda a mim morar na rua perpendicular ao Presidente da República da Guiné-Bissau???
Bissau, 3 de Março 2009
Bissau voltou a ser cenário de filme, com a única diferença de ser tudo a sério. Na noite de 1 para 2 de Março revivi uma experiência que ainda estava fresca... Neste momento está tudo mais calmo e aguardamos que passem os funerais e dias mais tensos. Estou enclausurada em casa há uma semana e parece-me que mais uma semana se avizinha. Comprei água, leite e comida. As saídas diurnas estão reduzidas, as reuniões multiplicam-se, as informações e contra-informações deixam-nos loucos. Os esclarecimentos são poucos, mas os barulhos da rua revelam que Bissau está a despertar de mais uma situação de violência.
Há quem se queixe em Portugal dos vizinhos que fazem muito barulho, sujam as escadas, têm um cão que ladra de noite ou crianças que não deixam ninguém descansar. Mas a verdadeira "má vizinhança" é quando se mora ao pé de alguém que sofre vários atentados e se vai safando. No entanto, o presidente "imorrível" já não é meu vizinho e eu espero que não haja mais ninguém na lista negra a morar nesta zona. É indecente a barulheira que fazem!
Agora está tudo calmo. É uma calma aparente? Não sei, só o tempo o dirá. Vejo no olhar dos guineenses com quem me cruzo a esperança num país melhor, num país que lhes dará mais condições de vida e mais segurança. Mas o olhar dos guineenses é um olhar triste nestes dias. Todos têm ainda muito presentes as memórias da guerra civil e a instabilidade do 3º país mais pobre do mundo. Apoiam-se nessa esperança para se levantarem todos os dias e continuarem a sua vida.
Se houve momentos em que hesitei, sinto agora que é aqui que eu quero estar. Quero que as escolas reabram, que os alunos regressem, que as aulas recomessem. Quero voltar a entrar numa escola cheia de meninos escurinhos a correr e a brincar. Entrar numa sala de aula onde se aprenda a ler e escrever em língua portuguesa para, quem sabe, irem um dia mais tarde estudar para fora e poder regressar com ideias novas.
Quero regressar à "normalidade, à moda da Guiné-Bissau".

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