Tchuba na tchubi: A chuva está a chover.
A chuva na Guiné-Bissau é algo de extraordinariamente belo. Há diversos tipos de chuva, cada um com a sua beleza e singularidade. Há a chuva que é precedida por uma ventania descomunal que levanta uma nuvem de terra vermelha que se infiltra em todos os recantos. A ventania dura uns minutos e varre tudo o que não está pregado, aparafusado, colado ou não é pesado o suficiente para aguentar o vento. Mal se ouve o vento, vêem-se todas as pessoas a correr para casa, para os carros ou para os taxis. Eu corro também para a varanda para fechar as portadas que irão bater com toda a força se não forem trancadas.
Minutos depois acaba a ventania e a chuva começa a desabar do céu cinzento.
Já vi chuva miudinha, já vi chuva forte, já vi dilúvios que tudo levam. As valas enchem e a água precipita-se pela rua abaixo, num ribeiro vermelho onde bóiam chinelos, sacos, papéis, garrafas, latas, etc.
Estas fotos foram tiradas na última grande chuvada de 2009 em Bissau. Segundo consta no calendário popular, a chuva começa invariavelmente no dia 15 de Maio e termina dia 1 de Novembro. Este ano foi excepção, mas valeu a pena pois nesta altura as chuvas são geralmente de noite e não conseguimos apreciar este espectáculo da natureza.
Desta vez eu estava em casa, no fim de semana comprido. No dia 2 de Novembro comemora-se na Guiné-Bissau o dia dos fiéis defuntos, dia em que se colocam coroas de papel nos cemitérios ou à porta de casa. Desta vez não ouvi a ventania nem vi os relâmpagos que antecedem a maioria das tempestades. Às vezes a chuva acaba por nem cair, mas os relâmpagos transformam-se numa sessão de cinema durante horas, em tespestades secas.
Mal ouvi a chuva, corri para a varanda e logo em seguida voltei para ir buscar a máquina fotográfica. Após uma hora de chuva intensa, a rua tinha cerca de meio metro de água e várias pessoas corriam em várias direcções. Corriam para casa? Corriam para algum sítio seco?
As crianças das fotos acima estão diariamente a pedir esmola "sêmóla, pátrôn", "pati 100 fran". Estes miúdos, que nos seguem por diversas ruas, estavam agora completamente encharcados, descalços e aventuravam-se pelas ruas enlameadas e algumas com água que lhes chegava pela cintura.
O Mussa, o rapaz das bananas que tem uma orelha esquisita anda sempre a chatear para comprar bananas "amiga, compra banana". Fica horas seguidas em frente ao portão do nosso prédio à espera que algum de nós lhe compre bananas, até acabar todas e poder ir para casa com o dinheiro. Não sei se vai à escola, mas desconfio que não. Nesta tarde, enquanto eu apanhava uma molha a ver e fotografar a tempestade, o Mussa atravessava a rua com a bandeja cheia de bananas.
Fiquei encharcada, enregelada e o vento fez com que a máquina apanhasse salpicos de chuva por diversas vezes. Decidi ir tomar um banho quente e vestir uma roupa seca. Mal acabei, voltei à varanda e acabei por lá ficar mais uma hora a fotografar, a olhar, a sentir. Numa das vezes em que me aventurei a meter a cabeça mais para a frente e espreitar o fundo da rua, encontrei este toca-toca, o transporte público de Bissau, atolado no dilúvio. Havia vários guineenses a empurrá-lo e, passados uns minutos, ele lá continuou o seu caminho.
Entretanto a chuva abrandou e o nível da água foi descendo lentamente, deixando vestígios de lama e lixo. A cidade regressou à normalidade e esta última chuvada deixou-me com saudades dos fins de tarde a ver os relâmpagos e sobretudo do cheiro a terra molhada, tão especial quanto indescritível.